terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Falta de política de recursos humanos é extremamente danosa às finanças do Estado

06/12/2016                         
O Globo              
Governo privilegia segurança pública   
Desigualdade salarial

Dados do Estado do Rio revelam que, em uma década, salários de 10 grupos de servidores subiram acima da inflação. Policiais civis tiveram 185% de aumento. Já professores, só 33%. PÁGINA 8

O peso da segurança
Policiais, bombeiros e agentes penitenciários tiveram os maiores reajustes salariais em uma década  Carina Barcelar e Luiz Ernesto Magalhães

Se hoje o governo do Rio encontra dificuldade para pagar servidores, já houve tempos de aumentos salariais generosos, mas restritos a alguns grupos de servidores. Um levantamento feito a pedido do GLOBO com auxílio de dados da Secretaria de Planejamento mostra que, ao longo dos governos de Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão, dez categorias de um total de 62 informadas pela pasta tiveram reajustes salariais superiores à inflação do período, que ficou em cerca de 81%, pelo IPCA-E. Os principais aumentos nesses 10 anos foram na segurança: policias civis (185%), delegados (114%), policiais militares (165%), bombeiros (165%) e agentes penitenciários (139%). Enquanto isso, professores tiveram 33,49% de reajuste.
Para especialistas, a distribuição de reajustes é desigual, mas a falta de transparência prejudica uma análise sobre as variações salariais. Há componentes nos vencimentos, como triênios, gratificações e reestruturações de planos de cargos e salários que podem gerar diferenças consideráveis. Mas esses valores permanecem numa caixa-preta, fruto de uma falta de clareza dos poderes ao enviar ao Legislativo os projetos que autorizam os aumentos.
Na lista dos que tiveram os maiores reajustes estão ainda funcionários do Departamento de Recursos Minerais e do Instituto Estadual de Engenharia e Arquitetura, ambos com 85% de aumento. Completam a lista servidores do Detran (105%), docentes da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), com 93%, e demais servidores da universidade (94%).
Os cálculos do total de reajustes concedidos foram feitos pelo professor de finanças do Ibmec Nelson Frederico de Souza. Entre as dez categorias analisadas, o maior ganho real (descontada a inflação do período) foi o de policiais civis, que receberam 57% de reajuste. Os delegados tiveram 18%. PMs e bombeiros, 46%. Agentes penitenciários, 32%. E os servidores da Uenf ganharam cerca de 7%, enquanto os do Detran, 13%.
As outras 52 categorias tiveram corrosão salarial se descontada a inflação no período. Para onze delas, os reajustes, em uma década, não saíram do primeiro dígito. É o caso dos funcionários do Iaserj, com apenas 4% de aumento total, da Empresa de Obras Públicas (com 7,5% acumulados), e da Saúde, com 4%.
— Algumas categorias foram mais beneficiadas que outras. As pessoas mais estrategicamente importantes para os governos, como os profissionais de segurança e os responsáveis pela fiscalização (Detran), tiveram ganhos superiores. Educação e saúde não foram tão contemplados — considera Nelson de Souza.

FOLHA CRESCE 50%
Em 2007, havia 428.375 servidores, entre ativos e inativos. Hoje o estado reúne 467.516 (mais 9%). A folha de pagamento, entretanto, teve uma alta bem maior: de R$ 8,7 bilhões (pessoal ativo), em 2007, para uma previsão de R$ 22,8 bilhões em 2016, em valores nominais. Com a correção pelo IPCA, o aumento seria de R$ 15,15 bilhões para R$ 22,8 bilhões (50%).
O acréscimo do número de servidores da segurança e de seus salários fazia parte de uma política de valorização do setor pelo governador Sérgio Cabral. A idéia era motivar os profissionais da área, o que acompanhou a evolução dos gastos gerais do setor: a Secretaria de Segurança gastou R$ 1,74 bilhão em 2007 e, no ano passado, R$ 5,1 bilhões. Coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Uerj e especialista em segurança pública, o professor Ignácio Cano pondera que a base sobre a qual incidiram os reajustes de policiais era baixa, e considera que o aumento foi justo:
— Houve uma estratégia de aumento salarial específica para esses profissionais e no momento posterior uma contratação desses agentes. O patamar era muito baixo, não podemos dizer que os salários eram suficientes.
"Algumas categorias foram mais beneficiadas que outras"  Nelson Souza  Professor de Finanças do Ibmec
"Nem todas as leis dizem quando, em que percentual, e em quantas parcelas se dá o aumento"  Istvan Kasznar  Professor de Economia e Administração da FGV
"Não há vinculação desses reajustes a uma política de qualificação profissional"
Augusto Werneck  Ex-secretário de Administração

Para especialistas, essa radiografia dos reajustes não explica o aumento da folha de pagamento. Os salários mensais aumentaram com outros penduricalhos: gratificações, triênios (um aumento de 5% a cada três anos de serviço) e reestruturações de carreira, por exemplo.
Para calcular o real aumento, entretanto, é preciso fazer uma análise minuciosa de uma legislação que, muitas vezes, está incompleta. O GLOBO tentou, por diversas fontes, chegar ao ganho salarial real dos servidores de algumas categorias. Mas a conta desses acréscimos é obscura. Os repórteres tentaram obter a informação junto à Alerj, ao TCE e à Firjan, mas nenhum dos órgãos ou entidades se dispôs a fazer esse cálculo. Dois professores de economia também foram ouvidos e não conseguiram chegar aos números pretendidos.
Um deles foi o professor de Economia e Administração Pública da FGV Instvan Kasznar. Quando o assunto é incluir nas contas os penduricalhos, entretanto, ele afirma que o teor da legislação inviabiliza a conta:
— Ela (a legislação enviada pela Fazenda) não é adaptável à matemática financeira. Nem todas as leis dizem quando, em que percentual, e em quantas parcelas se dá o aumento. Tornou-se não recomendável tecnicamente fazer aqui algum estudo — explica.
O professor observou que a falta de regularidade dos aumentos também prejudica os cofres do estado. O governo não costuma reajustar ano a ano os salários. Às vezes, os servidores esperam um longo período por um aumento substancial:
— Deixar todos na seca por vários anos e depois dar um reajuste alto é uma mostra da ciclotomia nas finanças do estado.
Um exemplo da caixa-preta é que, apesar do reajuste de 4% informado pela Fazenda, os salários na Alerj subiram bem mais que esse percentual, conforme a própria Casa enviou ao GLOBO. Um especialista legislativo nível 1, em 2007, ganhava R$ 3,7 mil. Em 2016, passou para R$ 5,5 mil. Variação de 48%. Já um deputado, que há 10 anos ganhava R$ 12,3 mil brutos, hoje recebe R$ 25,3 mil. Aumento de 105%.
Uma leitura dos projetos de lei encaminhados ao legislativo mostra que, na maior parte dos casos, faltam memórias de cálculo do impacto que trará nas contas públicas. As informações, geralmente, se limitam a indicar em valores nominais de quanto aqueles reajustes vão acrescer as folhas de pagamento. Não indicam, por exemplo, se o estado terá que remanejar recursos para viabilizar os projetos. Essa falta de informação não é exclusiva do executivo, mas se repetiu em outras mensagens encaminhadas por órgãos como o Tribunal de Justiça e o Ministério Público.

POLÍTICA DE EQUÍVOCOS
Em junho de 2010, projeto encaminhado pelo Tribunal de Justiça criou 350 funções gratificadas de auxiliar de gabinete de desembargadores. No texto enviado ao legislativo, consta: "a presente proposição conta com estudo de impacto financeiro/orçamentário estando o aumento de despesas previsto dentro do limite prudencial da Lei de Responsabilidade Fiscal". Nenhum documento, no entanto, foi enviado em anexo detalhando a viabilidade da criação de cargos.
A Secretaria de Planejamento informou a evolução real de apenas seis categorias. Incluindo outras reestruturações, além de reajustes, a Polícia Militar teve 93,6% de ganho real; os professores (que tiveram só 33% de reajuste), 46%; o Corpo de Bombeiros, 105%; a Polícia Civil, 77%; os delegados, 32% e inspetores da Seap, 236%.
Augusto Wemeck, professor de Direito Administrativo da PUC e ex-secretário de Administração, considera que o estado cometeu equívocos em sua estratégia:
— No últimos anos, os reajustes são concedidos de forma desarticulada, com a concessão de gratificações e outros penduricalhos aos salários. Não há vinculação desses reajustes a uma política de qualificação profissional.       


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