segunda-feira, 5 de setembro de 2016

O Globo A pedalada fiscal do Rio

O Globo
A pedalada fiscal do Rio (Opinião)

A pedalada fiscal do Rio
LEONARDO PIETRO ANTONELLI
Tudo começou em 2010, quando o Estado do Rio criou a política de redução — por 25 anos — do ICMS de 18% para 2%, travestida de incentivo às indústrias que se instalassem em determinados 52 municípios. Tal renúncia fiscal, comparada aos demais estados da Federação, faz do Rio de Janeiro o campeão: é a menor carga tributária do Brasil. 

Mas, como as receitas do petróleo jorravam, o Poder Executivo resolveu inovar e, independentemente de lei autorizativa, passou a baixar decretos concedendo novos benefícios a determinados setores da economia. Foi uma farra, pois tudo que fizesse sentido à Codin, então poderosa Secretaria de Desenvolvimento, poderia ser incentivado: empresas de construção náutica, centros de distribuição, indústria de pescados, produtos plásticos, produtos aplicados na construção civil, setor alimentício, produtos cárneos, industriais fabricantes de aditivos para lubrificantes e combustíveis, dentre muitas outras.
Nesse contexto fiscal caótico e sem recursos para pagar as suas contas, surge uma terceira nova idéia: editar-se novas leis que passassem a permitir o adimplemento das despesas do estado com seus prestadores de serviços de telecomunicação, fornecimento de energia elétrica, gás canalizado e combustível mediante a compensação com o ICMS que as próprias concessionárias e permissionárias arrecadam mensalmente dos contribuintes fluminenses, sepultando de vez o orçamento público e ferindo a Lei de Responsabilidade Fiscal. 
Segundo informações do Tribunal de Contas do Estado, somente
no período de 2008 a 2013, o Rio concedeu R$ 138 bilhões em incentivos fiscais
Se não bastasse toda essa pedalada fiscal estadual, na mais recente lei colocaram também como beneficiárias as permissionárias de serviços de transportes rodoviários intermunicipais de passageiros a fim de quitar a gratuidade dos serviços oferecidos, por força legal, a determinados setores da população (estudantes, idosos, deficientes).
Segundo informações do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ), somente no período de 2008 a 2013, o Rio concedeu R$ 138 bilhões em incentivos fiscais. Temos, pelo menos, mais 19 anos pela frente (lembre-se que a renúncia é por 25 anos), o que, sem muito esforço matemático, chega-se a mais de meio bilhão de reais. Essa conta tende a aumentar geometricamente, pois a lógica que se espera da empresa que investe é o incremento de suas atividades.
Vislumbro dois grandes problemas no horizonte: a) a continuidade da proliferação dessas leis que se utilizam de receita corrente de impostos para pagar dívidas com determinados setores de interesse do estado que só acabam por mutilar, ainda mais, o combalido orçamento do Rio de Janeiro, agravando a situação fiscal; b) na hipótese de ser reconhecida inconstitucional a guerra fiscal no Rio de Janeiro, como, aliás, já o foi pelo STF em relação a vários estados (Paraná, Santa Catarina, Pará, Paraíba, Distrito Federal etc), poderá levar ao ajuizamento de inúmeras ações de responsabilidade civil do estado, tendo em vista os investimentos realizados pelos contribuintes que presumiram ser legal a conduta do ente público ao conceder benefício fiscal condicionado.
Não merecíamos esse legado.

Leonardo Pietro Antonelli é advogado

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